quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Desapego / Esvaziamento



      Não foi uma e nem duas vezes que ouvi de pessoas próximas que deveria ‘mandar o velho embora para a entrada do novo’. Ok. Compreensível o pensamento delas; tomei então como uma experiência. Tirei roupas velhas do armário, joguei fora os frascos de perfumes vazios, sapatos fora de moda e velhos, brincos que havia perdido o par (aliás, por que mulher teima tanto em guardar coisas inúteis?), apaguei arquivos antigos do meu disco rígido. No fim até que foi positivo! Meus armários estavam abertos e limpos.

       Agora a parte difícil: limpar, arejar e abrir o coração. Preciso dizer que é completamente inviável fazer tudo isso junto? Pô, eu já tinha aberto mão dos meus sapatos velhos, aqueles que estavam há tanto tempo presentes no meu guarda-roupa, tinha me acostumado com eles ali, já não foi o suficiente? Não. Nunca é. O mundo nunca está satisfeito e a vida sempre exige mais escolhas.

      Vamos resolver isso então. Colocar ponto final no que não tinha sido posto ainda, Ok. Colocar todas as mágoas para fora e lavar a roupa suja que persistia em ficar acumulada, Ok. Acho que está feio. Pronto mãe, mandei o velho embora.

       No presente momento me encontro com a casa limpa, arejada e quase vazia. Sobraram-me aquelas roupas novas que nunca tenho ocasião para usar e que me apertam, sapatos lindos, mas que machucam o pé, perfumes novos que me dão dor de cabeça. Olho pro meu armário e tenho a nítida impressão de que não tenho roupas.

        Quanto aos meus amores? Parece que todo aquele acúmulo foi embora junto com todas as outras tralhas. Sinto ares saudáveis vindo da minha janela agora, aquele aperto no peito se foi e deixou uma estranha paz. Uma calmaria que não estou acostumada, um faltar de problemas, uma angústia por não estar angustiada por ninguém. Um telefone que não toca e deixou de ser problema. O velho cacoete de olhá-lo ainda existe, porém, agora a frustração não é pela falta de notícias, e sim pela falta de quem esperar.

      Alguém sabe me explicar por que dói tanto se desapegar do que é nosso? Das nossas doenças, hábitos, roupas e pessoas? É tão estranho estar acostumada a ter tudo preenchido a minha volta, que não consigo assimilar ainda o vazio que a paz me causa. Suspeito que todos precisam de um pouco de desespero para conseguir viver.

11 comentários:

Laura Pita disse...

Muito bom Lari, gostei muito do teu texto. Construção, lógica e amor/paixão pelo que escreve! Parabéns!

Piero Barcellos disse...

"Alguém sabe me explicar por que dói tanto se desapegar do que é nosso?"

Simples e até meio óbvio: porque é nosso. Porque custamos a conseguir e se desfazer significa dizer que o tempo empenhado não serviu para nada. Além disso, quando dizemos que algo é nosso, atribuímos um valor único e especial de exclusividade. Mas nada é exclusivo. Ao menos não aquilo que a gente consegue jogar fora sem sentir falta.

M. Bruno disse...

Acho que tu tens que te livrar das roupas chiques e dos sapatos lindos também!

Unknown disse...

Lari eu amei... Eu amei o texto.
Desapego é dor e alívio.
Parabéns!

Paola Rabaioli disse...

mt mt bom! e tá atualizando bem seguido! tô gostando de ver!

Max disse...

Tudo que a gente adquire na vida, traz algum beneficio, mas pesa na mochila da vida. Seja material ou metafísico pesa. Quanto menos bagagem, maior a disposição de caminhar.
Pra uns a casa é a segurança, pra outros é a prisão. Os bens e as memórias perdem a utilidade e só servem para pesar e atrapalhar novas experiências, novas oportunidades.
De qualquer forma não existe nada mais sábio que saber se livrar do que já não tem utilidade. SEM DÓ!

Brunno Lopez disse...

São os extremos da realidade emocional. A paz que causa a angústia é tão irônica, não?

Abrimos mão do exagero pra sobreviver com o comum e ainda assim isso nos dá soluços que não vão embora com sustos nem litros d'água.

Cheguei ao blog por indicação e vou ficar aqui por satisfação.

Rick disse...

Lendo seu texto, na mesma hora meus pensamentos foram remetidos para Ana Carolina e suas músicas que falam de portas trancadas, de portas abertas, de sentimentos, da nossa vida...

Parabéns!

Beijos! :D
P.S.: Estou te seguindo...

Isadora disse...

'E Elisabeth Gilbert morre de medo de ficar realmente sozinha', Comer, Rezar e Amar.

Muitas vezes a gente se apega mais ao sentimento do que a pessoa em si, por medo de ter que se deparar com outras partes dentro da gente, de deixar frestas onde coisas novas podem entrar (e bagunçar).

Amei esse texto, dito por quem critica quase tudo.

Juliana Xavier disse...

"Suspeito que todos precisam de um pouco de desespero para conseguir viver."

Adorei!

Juliana Xavier disse...

"Suspeito que todos precisam de um pouco de desespero para conseguir viver."

Adorei!